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Por que óleo de canabidiol custa tão caro?

Atualizado: 4 de mar.

‘’Um frasquinho custa 600 reais? Tá muito caro!’’

‘’Não tem opção mais em conta, doutor?’’

‘’Pelo SUS já tem? Com esse preço fica difícil.’’

‘’Eu vi na internet e achei esse aqui que é metade do preço, poder ser esse?’’

‘’Mas vem de uma planta, como pode custar tão caro?’’


  Essas são algumas das inúmeras perguntas que ouço diariamente em consulta, vindas de pacientes surpresos com o alto custo dos medicamentos à base de cannabis. Meu nome é Thiago Bacellar, médico prescritor e professor de Medicina Endocanabinoide, e vou te explicar agora por que esses produtos são tão caros e o que está sendo feito para torná-los mais acessíveis aos brasileiros.



Difícil de fazer


  Vamos preparar um bolo: ovos, farinha, leite, açúcar, margarina, fermento, chocolate e morangos. Você vai ao mercado e compra todos os ingredientes, depois mistura cada um dos itens seguindo a receita e coloca para assar. Duas horas depois temos nosso bolo. Quando a indústria farmacêutica vai produzir um remédio, ela faz exatamente a mesma coisa: compra o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), que é o princípio ativo que faz o remédio funcionar, compra estabilizadores, corantes entre outros componentes, depois mistura cada um seguindo uma receita e está pronto o medicamento. Agora, vamos fazer o caminho inverso: pegue um bolo pronto e retire dele a margarina e o fermento para usar em outra receita. Difícil né?




Uma planta de cannabis não produz um óleo contendo apenas canabidiol; ele vem misturado com outros fitocanabinoides e em diferentes concentrações, mesmo usando plantas geneticamente selecionadas. Além disso, fatores como tempo de exposição à luz, hidratação, tempo de colheita e técnica de processamento vão levar a óleos muito variados. A planta é um ser vivo: cada uma é única, e seus subprodutos são únicos. A indústria farmacêutica tem um trabalho enorme para separar o joio do trigo: extraem exatamente os fitocanabinoides almejados e, ao mesmo tempo, garantem que o óleo está livre de pesticidas, metais pesados, microrganismos e fitocanabinoides indesejados (ex: em um óleo de espectro amplo não pode ter THC). Esse processo é muito caro e reflete no custo do produto final.



Restrições e Burocracia


  O Brasil está na 120º posição no Ranking Doing Business do Banco Mundial, uma comparação de 190 países quanto ao desempenho de suas economias e ambiente propício para fazer negócios. Em nosso país, até a data da publicação deste artigo, não é permitido plantar cannabis, salvo pessoas ou organizações que possuem autorização judicial para isso. Assim, precisamos importar o remédio (regulamentado pela RDC 660/2022 da Anvisa) ou importar o IFA e produzir o medicamento aqui (regulamentado pela RDC 327/2019 da Anvisa). Em ambos os casos, existem impostos e taxas nas importações que são repassadas no custo final do produto.


Desenvolvimento e Registro


  Em 2020, chegou às farmácias o primeiro óleo de canabidiol à venda no Brasil. Atualmente, temos cerca de 20 marcas e dezenas de produtos sendo comercializados em todo território nacional. Parece muito, mas comparado com a diversidade de produtos disponíveis no exterior estamos muito atrasados. O processo para desenvolver, testar, registrar e aprovar um novo remédio leva anos e pode custar milhões de reais em pesquisa e desenvolvimento. Depois do remédio pronto, ele ainda precisa passar pelo crivo da Anvisa, um dos órgãos de vigilância sanitária mais respeitados no mundo: se não atingir o alto padrão de qualidade exigido, seu registro é barrado. Consequentemente, o preço dos remédios aprovados é mais alto.


Logística


  O custo Brasil do setor logístico consome mais de 10% do PIB brasileiro e impacta no custo de praticamente todos os bens e serviços que utilizamos. Com os produtos da cannabis não seria diferente, e esta é um dos motivos pelos quais produtos comercializados no exterior são mais baratos. Em um país de dimensões continentais como o nosso e sem malha ferroviária competente, é um desafio distribuir os medicamentos à base de cannabis para todas as farmácias brasileiras. A concentração ainda está nas farmácias das capitais e nas grandes cidades do Sul e Sudeste.



Concorrência


  Alguns países como o Canadá, Estados Unidos e Israel fazem uso da cannabis de forma medicinal há mais de 20 anos. Há menos burocracia, menos restrições e maior competição entre os fabricantes, com ambiente propício para negócios: com mais fabricantes e mais revendedores diminui o custo final do remédio. Já no Brasil, o uso terapêutico da cannabis foi permitido apenas em 2014 e regulamentado em 2019. Ao contrário do cenário internacional, temos pouquíssimos produtos sendo comercializados em farmácias brasileiras, cerca de 20 marcas até a publicação deste artigo. Menor oferta e menos competição, o preço sobe.


Opções: Importados e Nacionais


  Com tantas dificuldades, é possível entender por que o óleo de canabidiol pode custar tão caro em uma farmácia brasileira, sem contar a burocracia para obter a medicação devido à obrigatoriedade da Notificação de Receita Especial (receita azul ou amarela). O acesso a esses remédios na farmácia fica muito restrito a uma pequena parcela da população brasileira, a que tem maior poder aquisitivo e mora em grandes cidades onde o remédio está nas prateleiras das farmácias.

  Apesar disso, cerca de 400.000 brasileiros utilizam produtos à base de cannabis de forma medicinal, e apenas uma pequena parte compra diretamente na farmácia. A maioria importa ou compra produtos nacionais através de associações de pacientes que oferecem opções muito mais em conta.


Óleos Importados


  Até 2020, quem precisava usar óleo de canabidiol precisava pagar advogados para obter autorização judicial para importar o medicamento indisponível aqui. Na ausência de uma legislação satisfatória, o número de judicialização aumentou para centenas de milhares de casos. A Anvisa encontrou uma solução para esse problema e publicou em 2020 a RDC 660 (que foi atualizada em 2022) na qual regulamenta a importação de medicamentos derivados de cannabis por pessoa física para uso próprio mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, um marco na história da cannabis medicinal no Brasil.

  Assim, fica permitido  comprar o óleo de canabidiol diretamente do exterior sem que o produto passe por todas as etapas de verificação sanitária exigidas pela Anvisa, ampliando o acesso dos pacientes para diversas marcas à venda em outros países. Mesmo com o real desvalorizado frente ao dólar, ainda assim os remédios chegam a custar até metade do preço quando comparados aos encontrados em farmácia.

    Com mais de 100 milhões de pacientes em potencial no Brasil, surgiram diversas empresas que realizam essa importação e facilitaram o acesso a muitas marcas em todo o mundo. Maior concorrência e maior acessibilidade levaram à redução drástica do custo final dos remédios. Em minhas consultas, quando digo que o medicamento importado pode custar até 50% mais barato que um correspondente na farmácia brasileira, os pacientes têm dificuldade em acreditar pois somos brasileiros e estamos acostumados com o importado ser mais caro. Não neste caso.

  Tem um porém: cada vez que um paciente compra um produto importado, ele vem diretamente pelo correio do país de origem, pois não é permitido estocar os remédios aqui. Isso implica em uma demora de 15 a 30 dias até receber a medicação. Também precisamos estar atentos à qualidade dos produtos disponíveis para importação, pois nem todos possuem qualidade farmacêutica, tema discutido mais adiante.


Óleos Nacionais


  A legalização da cannabis para uso medicinal no Brasil é uma conquista histórica que só foi possível graças à coragem e determinação de mães de pacientes com epilepsia refratária que desafiaram a lei e trouxeram óleos ilegalmente do exterior ou plantaram em casa para fazer o óleo artesanal correndo o risco de prisão, tudo por amor aos seus filhos que precisavam do remédio para controlar as convulsões até que em 2014 foi concedida a primeira autorização judicial para importar um medicamento à base de cannabis. Essa história emocionante é contada no documentário ‘’Ilegal’’, disponível no Youtube. Eu faço questão de apresentar este documentário aos meus alunos da graduação e deixo aqui minha recomendação para que o leitor também assista essa história de luta e amor que abriu as portas da cannabis medicinal no Brasil.

  A partir desta mobilização, muitos pacientes que não tinham condição financeira para judicializar e importar o óleo passaram a plantar e produzir de modo artesanal a medicação, e assim nasceram as primeiras Associações de Cannabis no Brasil. Essas organizações sem fins lucrativos tem como missão fabricar os óleos em território nacional e distribuir com o menor custo possível aos seus associados, ampliando o acesso aos pacientes com menor poder aquisitivo: quando comparado com o produto vendido na farmácia os óleos artesanais são significativamente mais baratos.


Qualidade: Segurança e Eficácia


  No que diz respeito ao custo, temos que os produtos nacionais são os mais baratos, os óleos vendidos na farmácia são os mais caros e os importados tem custo muito variado. Será que a eficácia, segurança e qualidade dos produtos acompanha o preço? Precisamos estar atentos na análise de qualidade do produto para não cair em cilada, pois o barato pode sair caro.


Projeção

Fonte:


Quando um médico faz sua especialização em Medicina Endocanabinoide ele precisa aprender a reconhecer e interpretar o Certificado de Análise (COA): depois que o óleo é produzido, uma amostra deve ser enviada a um laboratório que vai utilizar uma análise por cromatografia gasosa e determinar diversos componentes da amostra:


●       Aparência

●       Densidade

●       Fitocanabinóides presentes (e em qual quantidade)

●       Terpenos presentes

●       Contaminação por Metais Pesados

●       Contaminação por Pesticidas

●       Contaminação por Microrganismos


  O COA é a ficha técnica do óleo, um ‘’Raio X’’ que vai dizer se o remédio é bom ou não, e a partir dele indicar o produto e calcular a sua dose. A qualidade do remédio depende muito de sua fabricação, o que no caso do óleo da cannabis torna-se muito desafiador pois cada planta é única. Os fabricantes precisam fazer ajustes nos processos de extração e beneficiamento do óleo para garantir que cada lote seja igual e de acordo com a bula. Ou seja: o remédio que comprou ontem precisa ser igual ao que comprou hoje e igual ao que vai comprar amanhã. Imagine comprar na farmácia um remédio para hipertensão ou para diabetes que dependendo do lote vem mais forte ou mais fraco?

  Os remédios vendidos em farmácia precisam atender aos rigorosos padrões de qualidade exigidos pela Anvisa para comercialização. Aqueles que não atingem os critérios de eficácia e qualidade não conseguem o registro. Todos precisam emitir um COA para cada lote produzido, comprovando sua qualidade. Caso seja verificado que não estão de acordo com as exigências da Anvisa, são retirados das prateleiras. Isso pode acontecer com qualquer medicamento, pois é função da Anvisa garantir que os produtos farmacêuticos oferecidos ao consumidor tenham eficácia e segurança comprovadas. Consequentemente, esses produtos têm maior custo.



E os importados? Neste caso a Anvisa deixa a responsabilidade toda com os médicos: cabe ao seu prescritor decidir se determinado produto é bom ou não. Ao contrário das farmácias brasileiras que tem poucos produtos, podemos escolher entre centenas de óleos internacionais. Muitos são excelentes, produzidos com alto padrão e controle de qualidade; outros tem boa eficácia e preço mais acessível, mas alguns não têm qualidade nenhuma. Seu médico deve estudar o COA dos medicamentos que indica para garantir que sejam seguros e eficazes no seu tratamento.

  E os nacionais? Encontramos desafios semelhantes: são mais de 80 associações em todo Brasil, mas até a data da publicação deste artigo apenas 5 possuem autorização judicial para funcionar. Nem todas fazem a análise de qualidade dos seus óleos, e muitas têm problemas de produção e distribuição. Um bom médico precisa estar atento a esses detalhes para poder informar seu paciente dos riscos e benefícios do óleo escolhido, seja ele adquirido em farmácia, importado ou de associação.


Decisão informada


   Antigamente, quando o médico encerrava a consulta e orientava o tratamento a sua palavra era lei: não tinha discussão e o paciente seguia tudo que ele falava sem questionar. Ainda bem que esta forma autocrática de exercer a arte médica já passou e hoje a decisão do tratamento é conjunta. O paciente deve ser informado dos riscos e benefícios das propostas terapêuticas possíveis, incluindo o custo-benefício de cada uma delas. A decisão final será do paciente com a orientação e consentimento do médico.

  Exemplo: se o médico indica um óleo de altíssima qualidade sem informar o paciente do custo ele pode abandonar o tratamento após alguns meses por falta de condições financeiras. Alguns nem chegam a comprar o remédio e desistem antes de começar.

  Além do custo e da qualidade do remédio, o médico também precisa orientar o paciente de fatores logísticos que precisam ser levados em consideração para a melhor tomada de decisão:


●       Os óleos vendidos em farmácia precisam da Notificação de Receita Azul tipo B que tem validade de 30 dias e limita a compra para uma quantidade de frascos suficientes para 60 dias no máximo. Não pode ser feita online, portanto o paciente precisa fazer a compra local físico, presencialmente.


●       Produtos importados demoram até 15 a 30 dias para chegar, mas a receita é digital e tem validade de 6 meses. O médico pode colocar uma quantidade maior de frascos para contemplar todos esses meses que podem ser comprados depois utilizando a mesma receita. É preciso preencher uma autorização de importação no site da Anvisa.


●       Produtos nacionais demoram 15 a 30 dias para chegar. É preciso um laudo do médico informando o CID 10 da doença, elencando quais tratamentos prévios foram realizados e o motivo de indicação do óleo e por quanto tempo. A receita também vale 6 meses e pode ter quantidade maior de frascos prescritos como na receita do importado.


  Cada paciente tem uma indicação, uma necessidade e um contexto de vida distinto. Não existe o melhor ou o pior remédio. O meu trabalho é achar aquele que vai atender melhor às suas necessidades.

  Exemplo: você está disposto a pagar mais caro por um óleo de excelente qualidade registrado pela Anvisa e vendido em farmácia, mas mora no interior do Mato Grosso, por exemplo, onde não encontra esse produto em nenhum lugar. Fazendo uma teleconsulta comigo que estou em São Paulo, vou indicar para você um óleo importado ou nacional que pode ser comprado pela internet com receita digital e entregue na sua casa por correio. Ou você opta por um óleo mais em conta e decide por um importado, mas como demora até 30 dias para chegar você solicita uma prescrição para um produto vendido em farmácia enquanto espera o importado. São muitos cenários possíveis, cada necessidade uma solução diferente e durante a consulta abordamos todas com muito cuidado. 

 


Conclusão


  Sugiro a leitura de meu artigo ‘’Custo-benefício’’ de forma a complementar o entendimento do tema, pois o custo do remédio também tem influência dependendo do tipo da medicação, concentração e volume. Não é meu intuito dizer que tal medicamento é melhor ou pior que outro: todas têm suas vantagens e desvantagens, e a decisão final caberá ao paciente depois de receber todas essas informações do seu médico durante a consulta.

  Este artigo será publicado no mês de Março de 2024. Espero realizar atualizações dele em breve trazendo novidades como a inclusão de medicamentos à base de cannabis no SUS, menor custo e maior acessibilidade a produtos diferentes.




Dr. Thiago Bacellar

CRM: 183406



São Paulo, 28 de Fevereiro de 2024




Segue reportagem do SBT Brasil do dia 5 de maio de 2023 que complementa a nossa analise:






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